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A Origem do que comemos

Cozinhar e falar de comidas e iguarias ficou chique. Nada contra – até porque sou uma pessoa que ama comer e cozinhar. Mas, se gostamos mesmo do assunto, é possível dar um show em uma roda mostrando que conhecemos os alimentos em sua origem – e não apenas porque viraram “moda.”

Compartilho aqui a origem de alguns alimentos super populares, que achei superinteressante e acredito, possa te surpreender:

Croissants – praticamente um símbolo da França, foram criados na Áustria e trazidos por Maria Antonieta quando se casou com o Rei Luis XVI – a mesma que ficou famosa por uma frase que jamais proferiu: “o povo não tem pão? Que comam brioches…”. Hoje sabemos que ela teria, no mínimo mencionado seus amados croissants…

Fish and Chips – do Reino Unido surgiu em 1400 em Portugal, quando judeus sefarditas lá se estabeleceram fugindo da perseguição religiosa.

As sextas-feiras, dia de shabat, eles compravam um prato pronto português, o “Peshkado frito”: peixe branco empanado em farinha de trigo. Por volta de 1800, as batatas tornaram-se populares e foram agregadas ao peixe das sextas-feiras

Em 1662 a infanta Catarina de Bragança, casou-se com o Rei da Inglaterra, Carlos II e levou, além do chá que os ingleses amaram, o prato que depois ficou conhecido como Fish and Chips

Sorvete ou Gelatto – hoje achamos que os melhores do mundo estão na Itália. Mas receita…. é originária da Mongólia.

Os soldados mongóis cavalgavam com leite de búfalo ou iaque em recipientes, entre suas provisões. O líquido congelava depois de batido durante longas cavalgadas em temperaturas baixíssimas.

À medida que império Mongol se expandiu, a iguaria acabou sendo levada para a Itália por Marco Polo e, lá chegando, os italianos se apoderaram da técnica e aperfeiçoaram bastante…

Macarrão ou Massa – o Mesmo Marco Polo, diz a lenda corroborada por várias crônicas, trouxe da China o macarrão. Mas a verdade é que viajantes mouros já haviam levado para a Ásia e China o macarrão – e preparavam a massa com ovo e sem o trigo.  

Os italianos amaram, acrescentaram trigo duro ao preparo e inventaram a “massa seca” muito mais durável do que a fresca usada no oriente.

“Pasta” acabou ganhando todos os formatos, tamanhos, texturas e sabores possíveis – a tal ponto que hoje, poucos se lembram da delicadeza do macarrão chinês que faz parte da dieta dessa povo desde o século 1 a.C!

Churros – achamos que é espanhol, afinal, vemos barraquinhas de churros na rua por toda a Espanha. Mas essa delicada massa tem origem …. na China onde a massa era ligeiramente salgada e sem recheio. Levada pelos portugueses para a Espanha, ganhou o acabamento açucarado e recheios deliciosos.

Pois é: o mundo já era globalizado há muitos séculos atrás e a comida sempre desempenhou esse papel agregador (além de comercial) entre os povos. Sem internet ou comunicação a jato, as coisas demoravam um pouco mais para ser conhecidas e aperfeiçoadas, mas nesses casos até que valeu a pena esperar, não acham?




Livro Mesa Brasileira – Lançamento em Curitiba




O Brasil não conhece o Brasil

 

Foto: Lia Ameni

Essa turma costuma dizer que somos um País de “terceiro mundo”, que “nada funciona” por aqui e segue com uma ladainha que, costumo refutar, falando de nossa riqueza, (de solo, de beleza, de natureza, de flora e fauna) apenas para citar algumas, que transcende a de muitos países ditos de primeiro mundo…

Mas hoje quero enfatizar a riqueza gastronômica do Brasil. Acabo de lançar meu livro “Mesa Brasileira” – um guia para degustar e servir a nossa comida regional. Fiz uma pesquisa extensa com meu amigo e doutor em História da gastronomia, chef Carlos Ribeiro.

Nele, explico mais de 80 pratos e seus  ingredientes, e mostro receitas das 5 regiões do Brasil. A ideia, é apresentar aos brasileiros nossa riquíssima comida regional, pois poucos a conhecem a fundo.

Paulistas por exemplo, chegam a Bahia e não vão muito além do acarajé e da água de coco. Eu, hein? O mesmo se dá com gaúchos que chegam a Belém e não conseguem encarar uma maniçoba por não entenderem bem o que é.

Agora me contem: vocês acham que teríamos esse exército de Chefs franceses (Claude Troigros, Emmanuel Bassoleil, Eric Jacquin, Olivier Anquier, – só para falar dos mais conhecidos)  estabelecidos no Brasil há décadas empreendendo com sucesso, se aqui não encontrassem os melhores, mais variados e mais ricos ingredientes para seu ofício? Duvida? Veja aqui algumas das propriedades do que é usado na cozinha paraense – que detém sabores inusitados e muito requintados.

Jambu – além de realçar os demais sabores, é ótimo anti-inflamatório melhora a libido;

Cupuaçú – de sabor único, rico em antioxidantes e melhora o funcionamento intestinal;

Açaí – alimento riquíssimo, possui um antioxidante único (velutina),  e compostos bioativos que ajudam na saúde do coração;

Tucupi – chamado de “ouro da Amazônia”, além de saboroso é rico em vitamina A, ótimo para imunidade.

Isso só para falar de alguns. Para viajar pelo Brasil através dos nossos maravilhosos sabores, basta procurar em sua cidade um bom restaurante de comida regional (pois os brasileiros se deslocam dentro do País e a comida regional é “afetiva”, resgata memórias e mata a saudades).

Além disso o País é vasto e teve ondas de imigração que influíram em nossa gastronomia como a italiana, alemã, africana… Mas nada, nada mesmo supera alguns pratos com receitas indígenas, como a incrível “Damorida” que pode ser feita com cogumelos amazônicos, peixe e/ou carne…

Fazer esse livro foi um prazer: viajo e experimento nossos pratos típicos há décadas, mas entender a extensão de nossa riqueza foi o maior presente. Agora posso defender meu ponto de vista de boca cheia (como perdão do trocadilho) e sem medo!

Experimente você também: abra o coração e o paladar para nossa cozinha e surpreenda-se com as maravilhas para todos os gostos – literalmente!

Foto: Divulgação

 

 

Serviço:

Mesa Brasileira: 178 páginas

Editora: Senac

Autora: Claudia Matarazzo




Como come?

No quesito “Refeições” podemos dizer que temos sim, não uma Etiqueta Brasileira, mas uma que podemos chamar de “regional”. Sim pois, com uma gastronomia rica e variadíssima, nosso país continental, oferece várias alternativas de “Como comer” os muitos pratos regionais – que por vezes mudam de nome, mas não de sabor, ou ainda, com o mesmo nome podem surgir em outra região completamente transformados.

Ora, de todos os sentidos, para mim, o paladar é o mais completo – sem falar nas delícias que, literalmente nos oferece!

Sim, começamos a degustar qualquer alimento muito antes de colocá-lo na boca: pelo aroma, que nos faz salivar quando sentimos determinados perfumes, o tato, que complementa a sensação que temos ao degustar e, muitas vezes, apenas olhar um lindo prato, é o suficiente para nos dar água na boca…

Os pratos que comemos na infância (ou em momentos de alegria e plenitude) são sempre nossos preferidos não importando seu sabor, mas a lembrança a que nos remetem.

Mesa, lugar sagrado –  a razão desse conceito que persiste em muitas casas, é que a comida, receitas, reuniões a mesa e os ingredientes usados em cada lugar são aspectos muito específicos de cada cultura. Há países em que, comer com a mão é a norma.  Já, em outros, é considerado falta de educação. Assim como existem alguns alimentos que só podem ser comidos com as mãos e outros em que é impossível fazê-lo. Arrotar a mesa em algumas culturas é um grande elogio ao chef, já em outras, uma grosseria.

Todo esse papo é para mostrar que seria impossível saber tudo sobre todas as receitas do mundo todo – não existe certo absoluto quando falamos de paladar. Nem totalmente errado. Depende de tanta coisa e, vamos combinar, para que tanto rigor ao rotular o prazer de degustar qualquer iguaria?

No entanto existe sim, uma tradição cultural e regional que, essa sim, deve ser respeitada. Não como regra de etiqueta – que pode variar muito – mas como sagrada tradição, importante de ser mantida, pois é o mais importante vínculo do ser humano.

É com comida que celebramos nascimentos, dias santos e matrimônios. Em volta da mesa, com diferentes receitas, as pessoas se reúnem vida afora: brindam, flertam, namoram, falam da escola das crianças, fazem planos para o futuro, discutem política, sonham e se consolam em momentos difíceis.

A comida e os sentimentos que desperta, fala com as pessoas – e vai direto ao que lhes é mais sagrado: suas lembranças mais afetivas e antigas. Acredito ser importante entender a história da nossa comida regional, e, por esse motivo, em breve apresentarei um a pesquisa recém terminada que fiz para explicar nossos pratos, como servir e comer.

Foi uma linda viagem por lugares que já conhecia, mas com um outro olhar. Um trabalho coletivo a quem antecipadamente agradeço ao Chef Carlos Ribeiro pela preciosa consultoria enquanto elaborava esse trabalho.




Violência no paraíso – e donzelas doceiras

Encontrei testemunhos impressionantes que contrastam com o imaginário de “terra das palmeiras e de gente cordial” que sempre permeia referências ao nosso país.

Apesar da beleza natural, das exuberantes paisagens e das tentativas de embelezar o cotidiano com referências delicadas e nuances que remetiam a mimos europeus, o dia a dia no Brasil era permeado por correntes de violência nem sempre subterrâneas.
Um exemplo disso foi uma das maiores rebeliões escravas ocorrida em Minas, em São Tomé das Letras em 1833: Gabriel Francisco Junqueira filho do proprietário de uma grande fazenda foi apeado de seu cavalo e morto a golpes de porrete na cabeça.
Feito isso os escravos dirigiram-se ao terreiro e a Casa Grande da fazenda e, ao perceber que eram guardadas por 2 capitães do mato foram a até a vizinha fazenda Santa Cruz – onde assassinaram todos os brancos que lá encontraram.
A família de Gabriel Francisco – foi toda assassinada a sangue frio, apesar da tentativa de esconder-se em um dos cômodos da casa.


Foram massacrados brancos e proprietários de várias fazendas até capturar o líder, o escravo Ventura com uma grande mobilização da Guarda Nacional para conter a rebelião.
Esse é um retrato brutal, mas verdadeiro, da realidade nessa terra. Onde havia que se ter muita força interior e coragem para seguir vivendo e insistir em fincar raízes.
As escravas eram abusadas por seus senhores – não apenas sexualmente – mas também, obrigadas a produzir doces, bolos e outros quitutes, vender o produto sob o sol inclemente e entregar o lucro da venda aos mesmos senhores. Por outro lado, a arte da doçaria era aprendida com as mesmas escravas pelas sinhás e sinhazinhas.
Segundo Câmara Cascudo, os bolos possuíam uma função social importante, pois estavam presentes em toda sorte de comemoração, de batizados a casamentos passando por noivados, aniversários e até mesmo em condolências – quando proporcionavam inegável conforto. Podiam ser compartilhados e eram de fácil transporte daí sua popularidade!


Para Casar – moça prendada precisava bordar, cozinhar e ter “mão de ouro nos doces”. Isso ia além de saber fazer sobremesas: qualquer tabuleiro de bolo era enfeitado com papel colorido delicadamente recortado, panos com franjas trabalhadas e decorado com canela e açúcar. Eram pequenas obras de arte da doçaria.

Relendo esses relatos, compreendo melhor a violência verbal, exposta com a explosão do uso de redes sociais. E até mesmo a não verbal – a qual assistimos diariamente em noticiários. O Brasil sempre viveu grandes contrastes, oscilando entre a ofuscante e belíssima natureza, a alegria exuberante das folias e a violência – dissimulada ou escancarada. Evoluímos um pouco. Mas é grande – o esforço atravessar as nuvens escuras e continuar a saborear a doçura dos bolos coloniais.