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O Brasil não conhece o Brasil

 

Foto: Lia Ameni

Essa turma costuma dizer que somos um País de “terceiro mundo”, que “nada funciona” por aqui e segue com uma ladainha que, costumo refutar, falando de nossa riqueza, (de solo, de beleza, de natureza, de flora e fauna) apenas para citar algumas, que transcende a de muitos países ditos de primeiro mundo…

Mas hoje quero enfatizar a riqueza gastronômica do Brasil. Acabo de lançar meu livro “Mesa Brasileira” – um guia para degustar e servir a nossa comida regional. Fiz uma pesquisa extensa com meu amigo e doutor em História da gastronomia, chef Carlos Ribeiro.

Nele, explico mais de 80 pratos e seus  ingredientes, e mostro receitas das 5 regiões do Brasil. A ideia, é apresentar aos brasileiros nossa riquíssima comida regional, pois poucos a conhecem a fundo.

Paulistas por exemplo, chegam a Bahia e não vão muito além do acarajé e da água de coco. Eu, hein? O mesmo se dá com gaúchos que chegam a Belém e não conseguem encarar uma maniçoba por não entenderem bem o que é.

Agora me contem: vocês acham que teríamos esse exército de Chefs franceses (Claude Troigros, Emmanuel Bassoleil, Eric Jacquin, Olivier Anquier, – só para falar dos mais conhecidos)  estabelecidos no Brasil há décadas empreendendo com sucesso, se aqui não encontrassem os melhores, mais variados e mais ricos ingredientes para seu ofício? Duvida? Veja aqui algumas das propriedades do que é usado na cozinha paraense – que detém sabores inusitados e muito requintados.

Jambu – além de realçar os demais sabores, é ótimo anti-inflamatório melhora a libido;

Cupuaçú – de sabor único, rico em antioxidantes e melhora o funcionamento intestinal;

Açaí – alimento riquíssimo, possui um antioxidante único (velutina),  e compostos bioativos que ajudam na saúde do coração;

Tucupi – chamado de “ouro da Amazônia”, além de saboroso é rico em vitamina A, ótimo para imunidade.

Isso só para falar de alguns. Para viajar pelo Brasil através dos nossos maravilhosos sabores, basta procurar em sua cidade um bom restaurante de comida regional (pois os brasileiros se deslocam dentro do País e a comida regional é “afetiva”, resgata memórias e mata a saudades).

Além disso o País é vasto e teve ondas de imigração que influíram em nossa gastronomia como a italiana, alemã, africana… Mas nada, nada mesmo supera alguns pratos com receitas indígenas, como a incrível “Damorida” que pode ser feita com cogumelos amazônicos, peixe e/ou carne…

Fazer esse livro foi um prazer: viajo e experimento nossos pratos típicos há décadas, mas entender a extensão de nossa riqueza foi o maior presente. Agora posso defender meu ponto de vista de boca cheia (como perdão do trocadilho) e sem medo!

Experimente você também: abra o coração e o paladar para nossa cozinha e surpreenda-se com as maravilhas para todos os gostos – literalmente!

Foto: Divulgação

 

 

Serviço:

Mesa Brasileira: 178 páginas

Editora: Senac

Autora: Claudia Matarazzo




Como o nosso Picadinho conquistou a realeza

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Foi no Rio de Janeiro dos anos dourados que ele passou das mesas mais modestas para os grandes salões,

 O Picadinho Carioca não é um picadinho qualquer. A carne deve ser cortada na faca, dourada em óleo, temperada a gosto e servida acompanhada de arroz, ovo poché, batata noisette (redondinha e dourada na manteiga), couve refogada, ervilha, farofa, às vezes caldo de feijão e banana frita ou à milanesa.

Na década de 50 que passou a se chamar Picadinho Meia-Noite, incorporado ao cardápio da elegante boate com o mesmo nome do sofisticado Copacabana Palace.

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Ali, deixou de ser comida de pobre, e que deu esse upgrade a receita foi Paul Ruffin, chef executivo do Copa, que ditava a moda culinária na cidade.

Por sua inspiração, e do Barão Max Stuckart, o exigente gerente do Copa, o Meia Noite foi o berço desse um prato que acabou por sacudir a cozinha nacional.

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Da maneira como Stuckart o concebeu, a carne era sempre de primeira: pontas de filé-mignon picadas- temperada com cebolinha, louro , sálvia, segurelha, alecrim e manjericão , além dos convencionais sal, pimenta, tomates machucados e manteiga

O resultado era servido numa rústica travessa de barro, com arroz, agrião picado, farinha de mesa e um ovo poché por cima.

A exemplo da sopa de cebola, em Paris, o picadinho revelou-se ideal para salvar vidas em horas mortas e recuperar disposições abaladas por uísques além da conta – mais ainda depois que, adotado até mesmo abstêmios e pelos que dormiam cedo, se generalizou pela noite do Rio.

Foi o primeiro prato assumidamente brasileiro a dividir os pernósticos cardápios finos cariocas – que então brilhavam nas mesas como “Jambon d’York Braisés au Madere “ e “Délices de Robalo à la Bonne Femme”.

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Em pouco tempo tornou-se o prato preferido de políticos, empresários, diplomatas, artistas e intelectuais nacionais e e estrelas de Hollywood em visita à cidade.

Seus os adeptos mais fiéis foram os playboys, a começar por Jorginho Guinle – sobrinho de Octávio Guinle, fundador do Copa em 1923 – e seus inseparáveis amigos Baby Pignatari, Carlos Niemeyer, Ibrahim Sued, Mariozinho de Oliveira e Sérgio Peterzone.

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Jorginho Guinle e Kim Novak

Mas, entre seus fãs, estava, imaginem só, o Presidente Getúlio Vargas – que chegava a sair do Palácio do Catete para saborear a iguaria.

O jornalista e escritor Ruy Castro, conta esses e outros detalhes da vida noturna do Rio no ótimo livro ‘A Noite do Meu Bem’ (Companhia das Letras São Paulo, SP, 2015)

Amanhã, vamos dar a receita caprichada desse prato, ideal para recuperar as forças em uma quarta feira de cinzas,  tal e qual vi na Revista Gosto  – que , como sabemos, prima pela exatidão de suas deliciosas dicas!