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Redação do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM

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A proposta de redação do Exame Nacional do Ensino Médio, desde sua primeira edição, em 1998, procurou de alguma forma abordar temas que provocassem nos estudantes a reflexão sobre a realidade de grupos marginalizados e excluídos da sociedade brasileira. Este ano, no entanto, os ‘Desafios para a formação educacional dos surdos no Brasil’ surpreendeu em grande escala. Diria que para muitos até decepcionou. Prova de que o segmento da pessoa com deficiência, mesmo quando nos referimos às minorias, traz consigo uma carga muito pesada de exclusão. Prova também – esta um pouco mais otimista – que ainda temos muito a aprender com as diferenças.

 

 

No Brasil, de acordo com o Censo 2010, quase 10 milhões de pessoas possuem, em algum grau, deficiência auditiva. Esses brasileiros por muitas décadas foram tolhidos do direito à educação. Isso porque a nossa “escola padrão” não oferece profissionais capacitados para ensinar quem não ouve. Apesar da Língua Brasileira de Sinais ser reconhecida como uma língua oficial em nosso país, através da lei nº 10436 de 2002, os alunos surdos – e aqui incluo também os surdos oralizados, que se comunicam por meio da Língua Portuguesa e igualmente precisam de recursos – encontram enormes barreiras para estudar e se comunicar de maneira geral.

Surdo não tem acesso a conteúdo acessível na televisão, nos sites, no cinema, no teatro, na propaganda eleitoral e, até pouco tempo, sequer tinha direito a fazer uma prova como o ENEM com o ferramental necessário. Isso porque o próprio INEP apresentava falhas na oferta de acessibilidade plena – e não só aos estudantes surdos, mas também às pessoas com deficiência visual, intelectual, física e com transtornos de aprendizagem.

Por isso, ter como tema de redação a inclusão educacional dos surdos não é segmentar um assunto. Ao contrário, é abrir os olhos para uma questão muito mais ampla e que se refere a todos nós: a necessidade e urgência do Brasil oferecer um modelo de educação que contemple a todos.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/15), que relatei na Câmara e que está em vigor em todo o país, garante o acesso pleno às pessoas com deficiência em todos os níveis de aprendizado. Cabe agora ao próprio MEC trabalhar para que esta lei seja cumprida dentro das escolas de todo o país. E a nós, sociedade, cabe cobrar para que a sala de aula seja um lugar onde a diversidade humana é respeitada em todas as suas facetas.

O ENEM deu um passo fundamental ao provocar em nossos alunos uma reflexão importante sobre o acesso à educação do que até então era uma minoria ignorada. E foi mais longe ainda: gerou um desconforto de caráter positivo, mostrando na prática do dia a dia o peso da exclusão. De se sentir, de repente, sem repertório para lidar com o que até então seria natural, como se comunicar.

Se você fez o ENEM ontem e se sentiu um peixe fora d’água ao se deparar com o tema de sua redação, saiba que milhares de estudantes brasileiros surdos, frutos de uma educação excludente, vivem assim por décadas.

O Brasil tem uma dívida colossal com as pessoas com deficiência. Ontem, em silêncio, mostramos que essas barreiras precisam o quanto antes serem derrubadas.

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