1

Você sabe o que é Gastrodiplomacia?

Franceses e italianos são mestres nessa arte: bons chefs e receitas passadas de pai para filho por séculos, garantem a qualidade dos pratos, mas não só isso: eles convenceram o mundo inteiro – através de eficientes ações de marketing – que são inigualáveis.

Na França houve recentemente uma campanha com o renomado chef Alain Ducasse, para servir um menu com ingredientes e pratos franceses em nada menos de 150 países! Ora, ganham com isso não apenas muito dinheiro e prestígio, como turistas e mais fama –  em um circulo virtuoso onde todos se beneficiam.

No Brasil, apenas recentemente passamos a valorizar nossos produtos  e receitas, e com grande sucesso, uma vez que temos ingredientes requintados e preciosos como o jambu, com o raro  sabor umami  ou cupuaçu e outros peixes saborosíssimos.

Além do folclore – não se trata apenas de mostrar o que temos mais típico, mas também as possibilidades dos produtos com potencial de exportação.

Naturalmente, antes de qualquer encontro a mesa, o Cerimonial de ambos os países conversam para informar-se sobre eventuais alergias ou restrições alimentares. Além da cultura do convidado – que  também deve ser analisada.

Formato mix – quando recebi, o hoje, Imperador Naruhito do Japão em São  Paulo (em 2008) buscamos um cardápio com base internacional, mas com elementos exclusivamente nacionais: como o molho de jabuticaba acompanhando a carne – que fez muito sucesso então.

Mudanças e ajustes  – durante o governo Lula (2003-2010), o serviço à francesa, deu espaço ao bufê .

Ao ser eleita, Dilma Rousseff retomou o formato anterior e com razão pois,  conversas importantes e negociações delicadas não fluem bem com interrupções de convidados e anfitriões para servir-se no bufê…

Com legenda – os menus impressos fazem parte da estratégia: colocados sobre a mesa individualmente, trazem a data e o nome em homenagem a quem o encontro acontece. E, em geral são bilíngues:  além do português, são traduzidos para as línguas mais recorrentes na diplomacia (inglês, francês e espanhol). Mas, dependendo do visitante, pode-se acrescentar árabe, japonês ou chinês substituindo o inglês.

Bobó de Camarão

De forma que, nos menus do Itamaraty, quindim é “coconut surprise” (surpresa de coco) e bobó de camarão vira “Bahian shrimp” (camarão baiano). E por aí vai.

Prova dos 9 – um exemplo de como a gastrodiplomacia funciona de fato:  em 2004, quando o então presidente Lula recebeu o primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, a produção nacional de mangas sofria barreiras para ingressar em território japonês. De sobremesa, foi servida uma mousse de manga. Ali, o recado foi de agradecimento: o Japão tinha liberado, após 27 anos, o ingresso da fruta em seu mercado. Deu match!




Livro Mesa Brasileira – Lançamento em Curitiba




Livro Mesa Brasileira – Lançamento em Balneário de Camboriú SC




Pamonha e Paçoca: delícias populares com muito requinte

E não é exagero não! Em minha recente pesquisa, terminando um novo livro sobre o assunto, encontrei verdadeiros tesouros da nossa mesa do dia a dia e aqui, menciono apenas 2 – dos mais populares (e superacessíveis) e ainda assim, vejam como podem ser degustados das mais variadas maneiras…

Pamonha – existe a doce e a salgada. Quitute nacional, originalmente brasileiro, é muito consumida na região centro-oeste, especialmente no estado de Goiás. Na tradição goiana é recheada com queijo e servida na palha do próprio milho.

A receita leva milho, óleo e queijo. Outras versões de pamonhas salgadas podem levar linguiça e cheiro verde, frango e guariroba, carne seca e pimenta bode, carne moída…

A pamonha também é muito popular em outros estados do Sudeste, como São Paulo e Minas Gerais.

Pamonha Doce – no centro oeste e no Nordeste, é mais doce  – feita com leite de coco, especiarias e açúcar. Consumida como lanche e no café da manhã.

Pamonha a Moda – típica do Goiás: tem linguiça salgada e leva mais pimenta além de queijo branco. É picante e muito nutritiva

Como Servir: na maneira mais rústica a Pamonha é apresentada na própria palha de milho, que pode estar aberta ou fechada, dependendo da ocasião.

Em restaurantes, ou vem em travessas ou pratos individuais, mas sempre dentro da palha do milho. É raro ser servida como acompanhamento – em geral é prato principal ou o lanche mesmo. Na rua, come-se com as mãos direto da palha.

Em tempo; não sirva pamonha sem pelo menos deixar a palha no prato – onde ela estará disposta da forma que você preferir. A palha faz parte da “indumentária” da pamonha – despi-la dela é desrespeitar a identidade dela. Gafe mesmo.

Come-se no prato com garfo e faca. Mas retira-se a palha que envolve a Pamonha com a mão. Recentemente um hotel de Goiânia lançou uma maneira de desembrulhar a pamonha usando de garfo e faca, mas é um prato rústico onde não cabe isso.

Paçoca Doce –   iguaria subvalorizada, é uma das joias da nossa gastronomia a base de farinha de milho pilada com canela e açúcar. Sua textura é seca e beeeeem fina e o sabor doce equilibrado faz dela um grande curinga nas sobremesas e lanches.  É vendida em embalagens de papel de mercearia, em formato de cone, muitas vezes artesanal.

Para servir – pode ser consumida com sorvete, frutas e até para dar mais sabor a gelatinas. Apresentada em bowls com uma colher ou concha pequena, cada um serve-se da quantidade desejada. Não tem nada a ver com o produto industrializado com o mesmo nome.

É um complemento requintado e versátil – que vale a pena experimentar e aprender a fazer e servir!




Violência no paraíso – e donzelas doceiras

Encontrei testemunhos impressionantes que contrastam com o imaginário de “terra das palmeiras e de gente cordial” que sempre permeia referências ao nosso país.

Apesar da beleza natural, das exuberantes paisagens e das tentativas de embelezar o cotidiano com referências delicadas e nuances que remetiam a mimos europeus, o dia a dia no Brasil era permeado por correntes de violência nem sempre subterrâneas.
Um exemplo disso foi uma das maiores rebeliões escravas ocorrida em Minas, em São Tomé das Letras em 1833: Gabriel Francisco Junqueira filho do proprietário de uma grande fazenda foi apeado de seu cavalo e morto a golpes de porrete na cabeça.
Feito isso os escravos dirigiram-se ao terreiro e a Casa Grande da fazenda e, ao perceber que eram guardadas por 2 capitães do mato foram a até a vizinha fazenda Santa Cruz – onde assassinaram todos os brancos que lá encontraram.
A família de Gabriel Francisco – foi toda assassinada a sangue frio, apesar da tentativa de esconder-se em um dos cômodos da casa.


Foram massacrados brancos e proprietários de várias fazendas até capturar o líder, o escravo Ventura com uma grande mobilização da Guarda Nacional para conter a rebelião.
Esse é um retrato brutal, mas verdadeiro, da realidade nessa terra. Onde havia que se ter muita força interior e coragem para seguir vivendo e insistir em fincar raízes.
As escravas eram abusadas por seus senhores – não apenas sexualmente – mas também, obrigadas a produzir doces, bolos e outros quitutes, vender o produto sob o sol inclemente e entregar o lucro da venda aos mesmos senhores. Por outro lado, a arte da doçaria era aprendida com as mesmas escravas pelas sinhás e sinhazinhas.
Segundo Câmara Cascudo, os bolos possuíam uma função social importante, pois estavam presentes em toda sorte de comemoração, de batizados a casamentos passando por noivados, aniversários e até mesmo em condolências – quando proporcionavam inegável conforto. Podiam ser compartilhados e eram de fácil transporte daí sua popularidade!


Para Casar – moça prendada precisava bordar, cozinhar e ter “mão de ouro nos doces”. Isso ia além de saber fazer sobremesas: qualquer tabuleiro de bolo era enfeitado com papel colorido delicadamente recortado, panos com franjas trabalhadas e decorado com canela e açúcar. Eram pequenas obras de arte da doçaria.

Relendo esses relatos, compreendo melhor a violência verbal, exposta com a explosão do uso de redes sociais. E até mesmo a não verbal – a qual assistimos diariamente em noticiários. O Brasil sempre viveu grandes contrastes, oscilando entre a ofuscante e belíssima natureza, a alegria exuberante das folias e a violência – dissimulada ou escancarada. Evoluímos um pouco. Mas é grande – o esforço atravessar as nuvens escuras e continuar a saborear a doçura dos bolos coloniais.